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Voltar Seminário no TRT-15 debate a segurança do trabalhador rural

Seminário no TRT-15 debate a segurança do trabalhador rural

A segunda parte do seminário "A Saúde do Trabalhador e a Prevenção de Acidentes de Trabalho" teve início na tarde da última sexta-feira (10), com o painel "Acidentes de Trabalho na Área Rural e Monitoramento da Exposição à Sobrecarga Térmica no Campo". Os palestrantes foram os engenheiros José Prado Alves Filho e Paulo Alves Maia, pesquisadores da Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro).

Realizado no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) como parte do Programa Nacional do Trabalho Seguro, o seminário foi dirigido a magistrados, procuradores e auditores fiscais do trabalho, advogados, servidores do Judiciário, sindicalistas, empresários e peritos judiciais. O evento celebrou o Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, comemorado em 28 de abril, e os 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), completados no 1º de Maio, e foi coordenado pelo desembargador Edmundo Fraga Lopes, presidente da 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), e pelo juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara, José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, com apoio da Escola Judicial do TRT da 15ª Região. Os magistrados são os gestores, na 15ª Região, do "Trabalho Seguro – Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho", lançado em 2012 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).

José Prado Alves Filho falou sobre "O mundo rural e as interrelações envolvendo o ambiente, o trabalho e a saúde". Ele atua no desenvolvimento de estudos e atividades de extensão em saúde do trabalhador, saúde ambiental, desenvolvimento rural sustentável e políticas públicas em trabalho, saúde, ambiente e agricultura. Publicou em 2002, pela Editora Annablume, o livro "Uso de Agrotóxicos no Brasil: Controle Social e Interesses Corporativos", obra financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). De 1990 a 2010, lecionou no curso de pós-graduação "lato sensu" em Engenharia de Segurança do Trabalho, da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), período em que foi responsável pela disciplina "Segurança Rural".

Alves Filho lembrou que o conceito de "desenvolvimento sustentável" começou a ser formulado nos anos 1960, particularmente em 1962, com o lançamento do livro "Silent Spring", da bióloga americana Rachel Carson. Pela primeira vez, o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano) começou a ter sua face oculta desvendada. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o produto vinha sendo borrifado indiscriminadamente não apenas em lavouras, mas também em casas, escolas, piscinas públicas e praias, para o combate aos mosquitos transmissores da malária e do tifo. Rachel demonstrou que a substância, embora barata e altamente eficiente, a longo prazo pode causar câncer nos seres humanos, além de provocar sérios danos ao meio ambiente.

Graduado em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), com especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e mestrado em ciência ambiental e doutorado em ciências pela USP, Alves Filho contrapôs os conceitos de economia ambiental e economia ecológica, os quais, lecionou ele, dividem o debate acadêmico sobre desenvolvimento e economia do meio ambiente. Enquanto a economia ambiental, embora relacione os recursos naturais ao lado do capital e do trabalho na função de produção, mantém um caráter de substituibilidade – algo como "poluo mas indenizo, poluo mas planto" –, a economia ecológica "não nega as barganhas, mas enxerga os limites delas", observou o pesquisador.

Dentro do conceito de economia ambiental, acredita-se que os limites ambientais podem ser superados pelo progresso técnico, que os substitui por capital ou trabalho. Já a economia ecológica vê o sistema econômico como um subsistema de um todo maior que o contém, impondo uma restrição absoluta à sua expansão", comparou o palestrante. Em outras palavras, "a sustentabilidade do sistema econômico não é possível sem a estabilização dos níveis de consumo per capita de acordo com a capacidade de carga do planeta", sintetizou Alves Filho. Segundo a economia ecológica, prosseguiu ele, o capital "construído" e o capital "natural" (constituído pelos recursos naturais) são complementares. Nesse sentido, o progresso científico e tecnológico "é fundamental para aumentar a eficiência na utilização dos recursos naturais", complementou.

Quanto ao dilema vivido pela agricultura na atualidade, em que, de um lado, estaria a necessidade de se promover a conservação do sistema agrícola, e, do outro, a demanda por alimentos e outros produtos produzidos da forma mais barata possível e em quantidade suficiente para suprir as necessidades de mais de sete bilhões de pessoas, o pesquisador foi taxativo: "Esse dilema é falso. A fome no mundo tem muito mais a ver com distribuição do que com produção, porque sobra alimento".

De um jeito ou de outro, no entanto, a pressão gerada pela demanda, seja esta real ou não, impõe ao meio rural um ritmo de produção que acaba sendo causa de um grande número de acidentes de trabalho no campo, denuncia Alves Filho. "É um problema relegado ao segundo plano, num debate que privilegia os acidentes trabalhistas ocorridos no meio urbano", provoca ele. Segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre acidentes e doenças relacionadas ao trabalho na agricultura e atividades correlatas, anualmente são registradas cerca de 83 milhões de ocorrências nessa área, aproximadamente 30% do total de acidentes de trabalho no mundo. O número de mortes de trabalhadores rurais, estima a Organização, chega a 170 mil por ano, metade do total de casos fatais relacionados ao trabalho. A cada ano, completa a OIT, de dois a cinco milhões de trabalhadores sofrem intoxicação por exposição a agrotóxicos.

O palestrante destacou o papel que o pagamento por produção, sistema largamente utilizado no corte da cana-de-açúcar, exerce no agravamento dessas estatísticas. "Como sustentar a forma como a atividade é feita desde os tempos do Brasil colonial até hoje, com as pessoas sendo contratadas na base do ‘quanto mais eu faço o movimento mais eu ganho'? Ninguém deveria ganhar por produtividade num trabalho arriscado como esse, fazendo três mil vezes o mesmo movimento a cada dia. Qual a coluna que suporta isso? Qual o EPI [equipamento de proteção individual] que segura isso?"

Alves Filho chamou a atenção também para o fato de a esmagadora maioria dos trabalhadores rurais no Brasil não fazerem parte das estatísticas oficiais. "De acordo com os dados da CNAE [Classificação Nacional de Atividades Econômicas], ocorrem por ano de 25 mil a 30 mil acidentes de trabalho no campo, no País. As políticas públicas são feitas com base em dados desse tipo, mas eles estão subestimados, e as medidas de prevenção acabam sendo direcionadas justamente para a parcela da população que está coberta pela legislação, por sindicatos fortes etc. De acordo com a PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] do IBGE, a população ocupada no campo no Brasil, gente que trabalha, que produz alguma atividade econômica no meio rural brasileiro, é de 17 milhões de pessoas, mas só dois milhões pertencem ao mundo do trabalho formal", lamentou.

Monitoramento a distância

Engenheiro mecânico formado pela Unicamp, Paulo Alves Maia é bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Em sua palestra, ele apresentou um software que faz o monitoramento da sobrecarga térmica do trabalhador rural a partir de dados fornecidos por estações meteorológicas. O programa foi desenvolvido na Fundacentro pelo próprio Maia, em conjunto com os colegas Álvaro César Ruas e Daniel Bitencourt, e com o apoio de mais três profissionais – Cloduardo Gomes da Silva, Luiz Roberto do Monteiro e Marco Bussacos.

Sobrecarga térmica, lecionou o palestrante, é a carga de calor a que o trabalhador pode estar exposto, resultante das contribuições do calor metabólico (produzido pelo próprio corpo do trabalhador, a partir de fatores como a alimentação), dos fatores ambientais (temperatura do ar, umidade, velocidade do ar e calor radiante, que é o tipo de calor proveniente do próprio sol ou de um forno, por exemplo) e das vestimentas exigidas para o trabalho. "A sobrecarga ocorre quando o corpo da pessoa sai de seu equilíbrio térmico, começando a aquecer. Se leve ou moderada, pode causar desconforto e afetar negativamente o desempenho e a segurança do trabalhador, fazendo com que ele corra o risco de cometer erros, mas não chega a ser prejudicial à sua saúde. Porém, se a sobrecarga térmica se aproxima dos limites de tolerância do ser humano, os riscos de danos à saúde são grandes", adverte o pesquisador. "Existe um limite para tudo."

Entre as doenças causadas pelo excesso de calor, relaciona Maia, a mais grave é a insolação, que ocorre quando o corpo se torna incapaz de controlar sua temperatura. "O mecanismo de transpiração falha e o corpo não é capaz de se resfriar", explica. "A temperatura corporal pode passar dos 41 °C em 10 ou 15 minutos e, se o trabalhador não for socorrido imediatamente, o choque térmico pode levá-lo à morte ou à invalidez permanente." A insolação se caracteriza também pela pele seca e quente, sudorese profunda, calafrios e dor de cabeça latejante. O indivíduo pode sofrer alucinações, com sentimentos de confusão e tontura e fala ininteligível. Outros males derivados do calor excessivo são a exaustão por calor – semelhante à insolação, mas em grau menos intenso – e as cãibras de calor, que afetam geralmente o abdômen, os braços e as pernas e podem ser também um sintoma da exaustão por calor. Existem ainda as conhecidas brotoejas, erupções na pele muito comuns em bebês.

No caso do ser humano, explicou Maia, o ideal é que a temperatura corporal não ultrapasse o limite de um grau centígrado acima do normal, que é de 37 °C. Portanto, se o organismo do trabalhador for submetido a temperaturas superiores a 38 °C, provavelmente ele terá problemas de saúde decorrentes dessa situação, esclareceu o pesquisador. "Em atividades em que haja esse risco, a empresa deve revestir seu empregado de medidas de prevenção, como, por exemplo, o monitoramento das atividades do trabalhador e a aclimatação, que é uma adaptação fisiológica gradual, de forma a aumentar a capacidade do indivíduo de suportar a sobrecarga térmica", ponderou. "Na aclimatação, o trabalhador pode ser submetido, por exemplo, ao longo de apenas algumas horas por dia, durante um determinado período, às condições em que ele mais tarde vai trabalhar na jornada normal de trabalho."

Maia faz coro ao colega Alves Filho na crítica ao pagamento por produção no corte da cana. "Um cortador de cana, se estiver com excesso de calor, pode tirar a camisa? Se o fizer, ele se corta todo na folha da cana. Ele para de trabalhar e vai para uma sombra? Com certeza não, porque ele trabalha por produção. Na verdade, ele não vende sua força de trabalho. Vende a sua própria saúde."

Especialista em Engenharia Mecânica na área térmica e de fluidos pela Unicamp e em Engenharia de Segurança do Trabalho pela PUC-Campinas, Maia, que é também doutor em Engenharia Civil pela Unicamp, tem mais de 25 anos de atuação na área de saúde e segurança ocupacional na Fundacentro, onde coordena o projeto que estuda a sobrecarga térmica. Ele esclareceu que o software desenvolvido na Fundação é livre, podendo ser usado tanto pela fiscalização do trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) ou pela própria Justiça Trabalhista, quanto por sindicatos, universidades, cursos técnicos de segurança do trabalho e entidades de pesquisa. Está à disposição, inclusive, das próprias empresas, como ferramenta de gestão de saúde e segurança no trabalho. "Na verdade o programa está disponível a qualquer pessoa do País, por intermédio do site da Fundacentro."

Entre outras vantagens, a tecnologia dispensa o uso de uma parafernália conhecida como "árvore termômetro", bem como o perito – médico ou engenheiro do trabalho – necessário à sua operação. Torna desnecessário também o deslocamento ao local de medição. "Trocamos tudo isso por alguns toques no computador", destaca Maia. Além disso, se o perito faz, no máximo, três medidas num dia, como estima o pesquisador, o software faz uma leitura a cada 10 minutos, totalizando seis análises numa única hora de pesquisa. No total, detalha o palestrante, cada varredura feita pelo programa analisa o ambiente de trabalho desejado por até 30 dias, com seis horas diárias de medição (das 10 às 16 horas), e informa a taxa metabólica média dos trabalhadores, bem como todas as medidas de prevenção e controle necessárias à redução dos efeitos do calor excessivo, incluindo o critério de trabalho/descanso. "Repetindo-se o processo mês a mês, podemos obter os dados relativos a anos de trabalho do indivíduo ou grupo pesquisado."

"Bastam cinco minutos no computador", calcula Maia. O primeiro passo é acessar, no portal da Fundacentro (www.fundacentro.gov.br), o link "Sobrecarga Térmica", à esquerda, na página principal. Aberta a página do programa, logo à frente do usuário estará o link "Para estimar IBUTG, clique aqui". IBUTG, sigla para "Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo", é o índice que mede o grau de exposição ao calor. Os passos seguintes são especificar o local de medição (por meio do Google Maps), o período de pesquisa e o tipo de atividade exercida pelo trabalhador, a qual pode ser leve (aplicar agrotóxico com trator, por exemplo), moderada (colher abacaxi ou arar a terra com uso de tração animal, entre outras possibilidades) e pesada (que inclui o corte de cana e o plantio de abacaxi). O último dado a ser lançado é a chamada "cobertura de solo", que pode ser cerrado, solo coberto com vegetação baixa (gramado), solo para plantio seco ou úmido ou ainda solo tomado por culturas como a cana, a soja, o arroz ou o trigo. Clicando no link "Estimar IBUTG", o usuário dá início à análise, na qual, graças a um convênio entre a Fundacentro e o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), são captados dados das estações meteorológicas mais próximas do local pesquisado.

Em questão de segundos está pronto o relatório. Ele inclui as datas e horários em que a medição foi feita, as estações meteorológicas responsáveis pelas informações, o IBUTG relativo a cada hora analisada e as medidas de controle necessárias, como, por exemplo, reduzir o tempo de exposição do trabalhador ao sol por meio de iniciativas como permitir (ou determinar, conforme o caso) 15 minutos de descanso a cada 45 de trabalho, no caso de IBUTG acima de 25 e abaixo de 27 (níveis abaixo de 25 são considerados ideais para o trabalho humano, que, nessas circunstâncias, pode ser executado de forma contínua). Para níveis acima de 27 e até 28, o recomendável já passa a ser 30 minutos de descanso para cada 30 de trabalho, e, se o IBUTG ultrapassar o nível 28, o correto é haver apenas 15 minutos de trabalho a cada intervalo de 45 minutos para descanso. Se o índice superar a marca de 30, o programa recomenda que, independentemente da observância de períodos de descanso, não haja atividade "sem medidas adequadas de proteção".

Responsável pela coordenação do painel, o diretor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), desembargador Samuel Hugo Lima, observou que o TRT-15 foi um dos primeiros a conceder no Brasil o adicional de insalubridade para quem trabalha sob o sol. "Eu lembro que a câmara em que atuo foi uma das primeiras a discutir o assunto, e a decisão foi encarada como um tanto quanto teratológica no começo, com os críticos argumentando, entre outras coisas, que há períodos do ano em que chove o tempo todo e, portanto, o trabalhador ficaria na sombra. Mas, tempos depois, o próprio Tribunal Superior do Trabalho também passou a adotar essa tese jurídica, que agora tem, nesse software da Fundacentro, o ferramental que vem lhe dar suporte técnico", ponderou o desembargador.

(Fonte: TRT 15)

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