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Voltar Usina de cana de interior de SP é condenada por não cumprir cota de aprendizagem

Empresa alegou não ter conseguido candidatos para as vagas, mas MPT destacou que empregador abriu processo seletivo apenas depois do início da ação civil pública

A Décima Primeira Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) negou provimento ao recurso da Usina Ouroeste – Açúcar e Álcool Ltda., condenada pelo juízo da Vara do Trabalho de Fernandópolis a cumprir a cota de aprendizagem prevista pelo art. 429, caput, da CLT e pelos artigos 51, 52 e 54 do decreto n. 9.579/2018. 

A condenação na ação civil pública, movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), determinava a contratação imediata pela empresa de 20 aprendizes e, no prazo máximo de 120 dias, a contratação de “todos os aprendizes necessários ao cumprimento da cota mínima de aprendizagem, observando-se a estimativa de 35 aprendizes”. A sentença também previu multa, em caso de descumprimento, de R$ 10 mil por mês, acrescida de R$ 1 mil por mês e por aprendiz que deixar de ser contratado para atingimento da cota legal mínima, a ser destinada a programas e entidades que propiciem a profissionalização e a proteção integral dos adolescentes e jovens na área de jurisdição do Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) local.

Particularidades

Em sua defesa, a empresa afirmou que nunca “se furtou ao cumprimento da lei”, mas que “existem peculiaridades no presente caso e que a atividade econômica por ela explorada deve ser considerada para fins de cálculo da cota de aprendizagem”. Em seu pedido de reforma da sentença, ela afirma que “não lhe foi concedida oportunidade para demonstrar as peculiaridades do caso”.

O relator do acórdão, desembargador João Batista Martins Cesar, ressaltou que a empresa teve a oportunidade de contratação de aprendizes, mediante a apresentação de um cronograma, mas que se manteve “recalcitrante” em cumprir. No que se refere à aprendizagem, o colegiado afirmou que “é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito fundamental à profissionalização (art. 227, caput, CR88)”, direito esse assegurado também pela legislação infraconstitucional, que garante ainda a “inserção no mercado de trabalho” (artigos 4º, caput, e 60 e seguintes do Estatuto da Criança do Trabalho).

Funções

O acórdão reafirmou os fundamentos elaborados pelo juízo sentenciante, quanto à base de cálculo do quantitativo de aprendizes, para que fossem "incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos", estabelecendo que "para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego", excluindo-se somente "as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança”.

A decisão colegiada destacou ainda que a empresa “é uma sociedade empresarial cujo objeto social está voltado para a exploração de atividade rural, produção e comercialização, importação e exportação, comércio em geral, por atacado ou varejo, ou industrialização de açúcar, etanol, cana-de-açúcar e seus derivados, além de geração de energia elétrica, dentre outros”, e que, por isso, todas as atividades desenvolvidas pela demandada estão previstas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), à exceção apenas das funções de nível técnico ou superior e as de direção, de gerência ou de confiança.

“Nem mesmo a exigência de maioridade para o exercício dessas atividades constitui óbice para a inclusão na base de cálculo da cota de aprendizagem”, lembrou o acórdão, uma vez que para essas atividades em que não é autorizado o trabalho com idade inferior a 18 anos, “a empresa tem três opções para cumprir a obrigação legal a que alude o art. 429 da CLT: a) contratar jovens de 18 a 24 anos; b) contratar adolescentes e inscrevê-los em cursos do Sistema Nacional de Aprendizagem (SENAI, SENAC,SENAR, SENAT ou SECOOP) nos quais são ministradas tanto as aulas teóricas quanto as práticas, em ambientes simulados; e c) requerer junto à unidade descentralizada do Ministério do Trabalho a assinatura de termo de compromisso para o cumprimento da cota em entidade concedente da experiência prática do aprendiz (art. 66 do Decreto 9.579/2018), ou seja, as denominadas "cotas sociais de aprendizagem", priorizando a contratação de adolescentes em situação de vulnerabilidade”.

O acórdão afirmou também que “a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm empreendido descomedidos esforços na busca pela erradicação do trabalho infantil” e que o Programa de Combate ao Trabalho Infantil, no âmbito da Justiça do Trabalho, “foi instituído com o objetivo de desenvolver, em caráter permanente, ações em prol da erradicação do trabalho infantil no Brasil e da adequada profissionalização do adolescente”.

O colegiado, por todo o exposto, concluiu que a empresa “preferiu discutir a lei em vez de aplicá-la”, e diante da alegação de que “tentara sem sucesso encontrar interessados”, referindo-se ao fato de ter feito a divulgação de um processo seletivo (apenas após o ajuizamento da ação civil pública), o colegiado afirmou que a atitude da empresa revela que “jamais teve a pretensão de cumprir espontaneamente a lei”. 

O acórdão afirmou, por fim, que existem entidades de capacitação de jovens e aprendizes na cidade de Fernandópolis e região, a exemplo do CAEFA – Centro de Apoio à Educação e Formação do Adolescente e ACREDITE – Centro Social de Menores, que participaram, inclusive, a convite do juízo local, da audiência una designada no processo. 

Além disso, essas mesmas entidades participaram, por esforço do juízo sentenciante, do evento “Dia A da aprendizagem”, organizado em conjunto com os Centros de Referência de Assistência Social – CRASs, a Secretaria Municipal da Assistência Social e Cidadania – SMASC, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, com o propósito de “oportunizar às empresas desta localidade mais uma possibilidade de cumprimento das cotas de contratação de jovens aprendizes”. No entanto, a empresa “não manifestou interesse em participar do evento que reuniu aproximadamente 500 jovens”. 

Fonte: TRT da 15ª Região (Campinas/SP)  

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