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Voltar Trabalhador que só soube da extensão da perda auditiva em perícia tem prescrição afastada

(24/04/2017)

Uma fábrica atuante no ramo de metalurgia foi condenada a pagar a um ex-empregado com perda auditiva indenização por danos morais no valor de R$30 mil reais, bem como despesas com tratamento médico necessário para minimizar as consequências da lesão. A empresa apresentou recurso, insistindo na prescrição do direito de ação e questionando a condenação. Mas a 4ª Turma do TRT de Minas rejeitou a pretensão e confirmou a sentença. O voto foi proferido pela desembargadora Paula Oliveira Cantelli.

Em minuciosa análise de todas as questões, a desembargadora considerou que o marco prescricional para ação sobre doença ocupacional é a data da ciência inequívoca da extensão do dano, a qual deve ser definida de acordo com cada caso. A decisão demonstrou não existir uma regra única para todas as situações.

Para entender o caso: O operador de máquinas alegou que sofreu perda auditiva em razão das atividades exercidas e pediu a reparação pelos danos sofridos. Determinada perícia médica, foi constatada a existência de dois períodos contratuais: de 1980 a 1997 e de 2000 a 2014. O laudo apontou que a “perda auditiva neurossensorial bilateral” foi desencadeada durante o primeiro período contratual, que terminou em 1997. Diante desse resultado, a ex-empregadora arguiu a prescrição, considerando que o ajuizamento da reclamação foi em 2015.

Na sentença, o juiz de 1º Grau entendeu que não havia prescrição a ser declarada. Para ele, ficou evidente que somente com o laudo técnico apresentado nos autos é que o trabalhador teve plena e inequívoca ciência da lesão sofrida. Após avaliar as provas, a relatora chegou à mesma conclusão. “Se tão somente com a perícia técnica realizada nestes autos, o obreiro teve ciência dos efeitos permanentes da perda auditiva, não há que se falar em prescrição”, destacou no voto.

Em sua decisão, a magistrada registrou inicialmente os argumentos apresentados no recurso da fábrica. Segundo alegou a empresa, além de a perícia ter determinado que a perda auditiva teria se desenvolvido no primeiro contrato de trabalho, mantendo-se estável no período posterior, o empregado já teria ciência inequívoca da doença antes da distribuição da reclamação. Sustentou que o operador teria delimitado a ação ao segundo contrato de trabalho e que o laudo técnico pericial realizado em outra ação movida pelo trabalhador não teria apurado a exposição a agente insalubre.

A decisão também destacou parte dos fundamentos utilizados na sentença para afastar a prescrição. O julgador de 1º Grau ponderou sobre o fato de a perda auditiva, no caso, decorrer de exposição continuada a níveis elevados de pressão sonora que vai comprometendo paulatinamente a audição do trabalhador. Para o juiz sentenciante, o empregado não poderia postular indenização nos idos de 1997, quando terminou o primeiro contrato. Isto porque àquela época a fábrica não o afastou do trabalho, não o encaminhou ao INSS, nem permitiu que tivesse conhecimento da extensão e consolidação de sua perda auditiva. Isto, mesmo dispondo dos exames audiométricos realizados periodicamente.

Ao tecer considerações sobre as normas aplicáveis à prescrição, a relatora lembrou que, via de regra, a pretensão de indenização oriunda de acidente de trabalho ou de doença profissional/ocupacional formulado pelo empregado em face do empregador também se sujeita ao efeito corrosivo do tempo e da inércia do credor, em razão da aplicação da prescrição trabalhista, seja bienal, seja quinquenal, na forma do artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição da República.

Quanto ao marco inicial para contagem do prazo prescricional decorrente de doença profissional, apontou que se deve observar o princípio da “actio nata” (expressão em latim que significa “ação ajuizável”). Por esse princípio, o direito de ação nasce a partir do momento em que o titular do direito toma ciência da lesão. Nessa direção, foi destacado o entendimento contido na Súmula 278 do STJ: "O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral".

Circunstâncias de cada caso devem ser consideradas - Para a relatora, as circunstâncias do caso concreto devem ser levadas em consideração na hora de fixar o marco deflagrador da contagem do prazo prescricional. Não há uma regra específica, sendo cada caso, um caso. Ela ponderou que não se pode dizer que o simples diagnóstico da doença, o primeiro afastamento previdenciário, a aposentadoria por invalidez ou qualquer outro elemento genérico definam, enquanto regra, o momento da ciência inequívoca da lesão. “Outras circunstâncias podem antecipar ou mesmo postergar a fixação deste marco, cabendo ao julgador aferi-las, de acordo com o caso concreto sob análise”, ponderou.

Nesse sentido, registrou o que prevê a Súmula nº 230 do STF: "A prescrição da ação de acidente do trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a natureza da incapacidade". Para a relatora, o verbete não se aplica apenas às ações de cunho previdenciário, pois a interpretação favorável ao segurado pode, naturalmente, ser estendida ao trabalhador quando se trata de apreciar pretensões postas também em face do empregador.

“Doenças graves, como aquela sofrida pelo autor deste feito, nem sempre vão deflagrar em seu íntimo, de imediato, a certeza de uma lesão irreversível, sobretudo do ponto de vista profissional”, avaliou no voto. Para explicitar o entendimento, registrou que Kottke e Lehmann, no Tratado de Medicina Física e Reabilitação de Krusen (4ª edição, São Paulo: Manole, 1994), salientam que os acidentados, a exemplo de portadores de doenças estigmatizantes, utilizam alguns mecanismos de defesa como, por exemplo, a negação: "Na maioria das vezes, após a incapacidade instalada, o paciente tem a expectativa de que "tudo voltará ao normal", mas isso pode ser o contrário do que a equipe de reabilitação tem como prognóstico. Este comportamento é chamado de negação, e pode ser intensificado pelas pessoas que rodeiam o paciente, devido às afirmativas de que a incapacidade é temporária".

Nesse contexto, ainda de acordo com as ponderações da relatora, mesmo que o resultado da lesão possa ser notado desde o instante do evento lesivo, não se pode concluir que a vítima não tenha nutrido uma viva esperança de recuperação, em maior ou menor grau, para a vida profissional. É por isso que, mesmo após o encerramento do período de readaptação, não se poderá afirmar, com plena convicção, que o acidentado estivesse ciente de toda a dimensão de seu prejuízo, tanto moral como material.

Em amparo ao raciocínio adotado, foi citada a lição do Professor e Ministro do TST, Maurício Godinho Delgado, ao abordar a investigação da “actio nata” em eventos traumáticos como o vivenciado pelo reclamante: “Em se tratando de acidente de trabalho e doença ocupacional, o marco inicial para a contagem do prazo prescricional para a propositura da ação de indenização não é a data do afastamento ou da constatação da doença ou mesmo da extinção do contrato de trabalho, e sim a da ciência inequívoca da extensão do dano, por se considerar o critério da actio nata”. Recurso de revista conhecido e provido. RR - 200200-87.2005.5.15.0007 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 05/06/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/06/2013).

Na decisão em questão, o Ministro pondera que esse é o sentido do artigo 104, inciso II, da Lei 8.213/91, o qual, conquanto direcionado às ações previdenciárias, aplica-se, por analogia, às ações trabalhistas indenizatórias de acidente de trabalho. Esse entendimento foi, inclusive, pacificado no âmbito da jurisprudência do STF (Súmula 230) e no STJ (Súmula 278). O magistrado dá exemplos: se um trabalhador se aposentar por invalidez, é daí que se inicia a contagem do prazo prescricional. Isto porque somente esse fato possibilita a ele ter conhecimento da real dimensão do malefício sofrido. Por coerência com essa ideia, o Professor aponta que se acontecer o inverso e o empregado for considerado apto a retornar ao trabalho, será da ciência do restabelecimento total ou parcial da saúde que começará a correr o prazo prescricional. Ainda nessa linha, se, após o término do contrato de trabalho, for produzido laudo pericial atestando a incapacidade laboral decorrente do extinto contrato, este será o marco prescricional.

Com base nesse entendimento, a relatora concluiu que somente com a perícia técnica realizada, o trabalhador teve ciência dos efeitos permanentes da perda auditiva. Nesse contexto, rejeitou a prescrição. “Por qualquer ângulo que se mire a questão, a hipótese é de afastamento da prescrição, não merecendo qualquer retoque a sentença, neste tópico”, finalizou.

Dano moral - A relatora se convenceu pelas provas de que a empresa foi negligente, confirmando a condenação por dano moral. Para ela, ficou claro que a ex-empregadora se descuidou do dever básico de prevenção da saúde do trabalhador. Tanto assim que, conforme observou, a empresa confessou que já sabia da perda auditiva, o que só se agravou com o tempo. A chamada “culpa in vigilando” foi reconhecida, ficando evidente conduta omissiva da metalúrgica.

Ao caso, foi aplicada a teoria do risco, prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que autoriza a aplicação da responsabilidade objetiva nas hipóteses em que a atividade empresarial normalmente desenvolvida implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outras pessoas, inclusive a exposição constante a agentes altamente insalubres, como no caso, o ruído excessivo a que foi exposto o trabalhador.

Critérios para fixação dos valores - O contexto apurado no processo foi levado em consideração na fixação dos valores arbitrados. Foi ponderado que, apesar de o operador de máquinas não estar incapacitado, teve reduzida a capacidade de trabalho, encontrando-se parcialmente surdo. Por sua vez, a própria função desempenhada autorizou a conclusão de se tratar de pessoa de baixa renda e que vive exclusivamente do seu trabalho, estando agora aposentado. Por fim, ficou claro para a desembargadora que a empresa possui plenas condições de arcar com os valores das reparações.

Acompanhando o entendimento, a Turma de julgadores reconheceu que o valor de R$30 mil fixado na sentença cumpre satisfatoriamente as suas funções pedagógicas e reparatórias, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Fonte: TRT3
 

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