Entrevista - Atletas que começam jovens não podem ser expostos a condições de trabalho - CSJT2
12/06/2014 - O dia 12 de junho, abertura da Copa do Mundo de 2014, coincide com a data eleita pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para marcar o combate ao trabalho infantil. Até os 14 anos, nenhuma criança pode trabalhar. E a partir dessa idade, só em situações excepcionais, previstas em lei, com jornada máxima de seis horas diárias e horário compatível com a grade escolar. No futebol, por exemplo, em que vários atletas começam a jogar muito cedo, é preciso ficar atento para preservar os jovens, para que eles não sejam expostos a condições de trabalho para o qual não estão preparados. É o que diz o juiz Urgel Ribeiro Pereira Lopes, responsável pelo Juízo auxiliar da Infância e Juventude do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-DF/TO).
Para o magistrado, inserida precocemente no mercado, a criança acaba alijada do convívio familiar e com menos capacidade de crescimento profissional.
Confira a entrevista na íntegra:
Quais as consequências do trabalho infantil para o desenvolvimento das crianças?
Juiz Urgel - Pelo fato de estar inserida muito precocemente no mercado de trabalho, ela fica alijada do convívio familiar e de colegas. A pessoa fica psicologicamente privada, socialmente afastada e diminuída nas suas possibilidades de formação. Estatísticas estão aí para provarem que quanto menor tempo dedicado às atividades formativas menos sucesso tende a ter no futuro.
Existem situações em que a lei permite o trabalho infantil? Quais e a partir de que idade?
Juiz Urgel - O trabalho de menores é permitido apenas a partir dos 14 anos, antes disso, em hipótese alguma. A legislação admite o trabalho infantil em contratos especialíssimos, que são os de menor aprendiz, excepcionalmente mediante autorização. E em outros como, eventualmente, os trabalhos artísticos, desde que não ultrapassada a limitação horária de no máximo seis horas diárias, bem como se respeitadas as condições básicas que permeiam essas autorizações. Que são a compatibilidade de horário escolar, manutenção do convívio familiar, afastamento daquelas atividades que são consideradas potencialmente degradantes ou perigosas (atividades de rua, com algum tipo de produto que possa trazer risco presente ou futuro para as crianças). Fora isso, não há necessariamente uma atividade que esteja autorizada. Na verdade, as leis e os estatutos preveem aquelas que são vedadas. Não havendo colisão com nenhuma dessas, por princípio, às condições de seguridade das crianças e adolescentes, aí sim estão autorizados os trabalhos.
Dentro do universo esportivo, o que a lei considera trabalho infantil?
Juiz Urgel - Não existe isso tão claramente definido. O trabalho infantil no meio esportivo, muitas vezes, fica maquiado ou camuflado por meio dos contratos ou da própria iniciação esportiva. O atleta geralmente começa a treinar muito jovem, e muitas vezes se profissionaliza também muito jovem, dependendo da modalidade esportiva. Então, como existe uma habitualidade muito grande dos treinos, é difícil precisar a existência de outros elementos caracterizados da relação de trabalho. Devemos então analisar: a criança vai voluntariamente e está se divertindo? Ela está recebendo alguma coisa por isso? Isso está gerando algum tipo de receita para quem está vivendo, profissionalizando ou treinando esse menor? São perguntas a serem respondidas. Não vejo como legítimo esse tipo de trabalho, porque ele não necessariamente vai concorrer para a melhoria e aprimoramento da criança. E não se encaixa em nenhuma das tipicidades do contrato de menor aprendiz.
Entendo como uma realidade existente, mas ainda pouco detectável na nossa sociedade.
Ainda mais considerando que a maioria dos clubes de futebol tem sua contabilidade de uma maneira muito marginal, mesmo dos profissionais adultos. Grande parte dos ganhos que esses atletas têm não constam dos registros do Ministério do Trabalho. Não raro, o atleta empregado ganha 200 ou 400 mil reais - como a própria imprensa divulga - e tem registro de carteira de 30 ou 40 mil. Ou seja, é tudo à margem da lei. Com o menor, mais ainda. A diferença é que há, muitas vezes, uma complacência das famílias com isso porque têm interesse. Muitas vezes por causa das condições financeiras das famílias...
Veja o caso dos profissionais de basquete norte americanos, muitos deles estudantes. Caso a Liga de Basquete americana detecte algum pagamento a esses atletas nas universidades, eles são afastados do esporte. O controle é muito rigoroso. A Liga procura estimular o surgimento de novos nomes, e para isso patrocina a formação, a partir de bolsas de estudos nas universidades americanas para ter um atleta com melhor formação acadêmica. E ao mesmo tempo é muito vigilante com relação à profissionalização precoce. Há vários casos de atletas ou famílias que foram punidas e definitivamente afastadas do esporte, porque provado que tinham uma contraprestação financeira. Eles costumam receber moradia ou bolsas de alto valor financeiro, muitas vezes maior do que US$ 10 mil ou US$ 20 mil, que é o custo de uma faculdade nos Estados Unidos. Mas tem a vigilância. Por que? Porque depois, efetivamente esses atletas irão se profissionalizar e aí, sim, as contratações são milionárias. Mas antes, é formativo.
Aqui no futebol brasileiro, apesar de haver muitas mazelas, há também virtudes. Há um trabalho muito grande nessas divisões de formação de jovens. No sentido de prepara-los como atletas, mas não necessariamente torna-los, empregados conforme tifipicado pela lei.
A quem caberia fiscalizar, no Brasil, esses casos?
Juiz Urgel - O trabalho infantil é, antes de mais nada, trabalho. Então, as autoridades que fiscalizam o trabalho são as mesmas: os fiscais do Trabalho, responsáveis pela vistoria do ambiente geral de trabalho. Concomitantemente, pela condição de serem menores de idade, também são responsáveis por essa fiscalização os membros do Ministério Público - até mesmo da Promotoria da Infância - e do Ministério Público do Trabalho. São agentes legítimos para atuar nessa fiscalização, ou receberem denúncias.
Clubes podem contratar futuros atletas pagando os pais?
Juiz Urgel - Não, não podem! Mas eles o fazem? Muitas vezes. Cabe investigar se efetivamente isso está acontecendo ou não. Verificada a fraude, há uma nulidade a ser declarada, reconhecida. No caso, tem que prevalecer o interesse maior, que é a preservação desse adolescente, que está sendo precocemente exposto a uma condição de trabalho para a qual ele não está preparado.
Na Copa do Mundo, menores trabalhando em recepção, shows de danças e gandulas. Isso pode ser considerado trabalho infantil ou deve ser visto como uma eventualidade?
Juiz Urgel - Acho que é uma eventualidade. Não veria que há trabalho de menores nem na condição dos gandulas, nem nesses shows. Por exemplo, uma performance, um show de abertura com músicos e dançarinos. Não se começa músico, não se vira dançarino, ou qualquer atleta, mesmo nas sociedades mais protegidas do mundo, com mais de oito anos. É difícil, é raro, muito excepcional.
Então, o que a gente tem que pensar como sociedade é, vamos dar meios para que as pessoas se aprimorem. E aí o ambiente escolar é fundamental, aquele ambiente plural dentro de uma escola, no qual além da formação clássica, teórica, tenha-se acesso, também, a essas outras atividades – esportiva e artística -, mas ainda somos muito deficientes nesta área. Só então poderá se formar uma sociedade mais complexa, mais completa.
A competência para analisar pedidos de trabalho infantil foi, recentemente, deslocada para a Justiça do Trabalho. Como o senhor vê o papel da Vara da Infância e da Juventude nessa questão?
Juiz Urgel - Acho mais razoável e lógico, dentro do ordenamento jurídico, que se desloque para a Justiça do Trabalho, que poderá prestar atenção tanto na condição prévia da contratação, como da sua execução e como de seus eventuais desdobramentos, se for o caso, se houver algum tipo de conflito decorrente desse contrato. A Vara da Infância e da Juventude cuidaria de todos os aspectos não relacionados ao trabalho - que eles até há pouco tempo estavam também abrigando. Como verificada a existência de trabalho, sendo ele legal ou ilegal, há possíveis desdobramentos e consequências tanto de ordem penal quanto de ordem civil desses contratos. Se essa Vara da Infância e da Juventude não detém competência para dar prosseguimento à análise desses casos, porque mantê-la lá?
Fonte: TRT 10
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