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Voltar O Grande Conciliador, por Regina Dubugras

(17/05/2016)

*Por Regina Dubugras

A capacidade de fazer análises sobre a época em que vivemos e de traçar prognósticos da realidade econômica e jurídica do país e do mundo, não se projeta necessariamente na habilidade de traçar caminhos, propostas e práticas construtivas tendo em vista os objetivos almejados por um senso comum da população. A realidade requer transformações instrumentais em busca de resultados pautados na ordem constitucional com medidas concretas e efetivas dentro da sustentabilidade do Estado de Direito.

A dificuldade de acompanhar mudanças tem se tornado cada vez maior em razão da velocidade em que estas se impõem. Diante desta vertente constatam-se tendências opostas: uma delas a de parar no tempo e resistir às transformações por medo ou conservadorismo exacerbado, em oposição à tendência de desprezar a experiência e os valores adquiridos e solidificados, supervalorizando o novo como sinônimo do melhor. Parece que o grande desafio destes tempos está na capacidade de perceber as mudanças e adaptar conceitos e atitudes ao período em que se vive, aproveitando-se o melhor de cada época em busca da realização de um “fim” como ideal factível e viável. E neste desafio está o nosso Poder Judiciário e todo o nosso Sistema Jurídico.

Nos países democráticos pressupõe-se a superação do estado liberal, garantidor das liberdades públicas e da igualdade formal, pelo estado social de direito, com o propósito de garantir o bem estar através da redistribuição dos recursos econômicos, sociais e culturais, segundo seu objetivo de tornar a igualdade dos indivíduos efetiva, para que estes, desde um mínimo garantido, possam se desenvolver. O Estado de direito atua por meio de seus Poderes, cuja separação traduz uma fórmula de ordenar os órgãos estatais, com a finalidade de servir aos interesses públicos, através das atividades: legiferante, administrativa e jurisdicional. Dentro do princípio da eficiência da atuação estatal, hoje já consagrado por várias Constituições sociais , o Estado deve atuar com efetividade na consecução de seus “fins” institucionais. Logo, o legislativo deve criar ou ratificar normas eficazes, o poder administrativo deve implementar e executar medidas efetivas e o judiciário deve buscar esta efetividade na interpretação e aplicação das normas jurídicas de forma coerente à execução dos fins instituídos.

O Estado Social brasileiro, como resultado de uma sociedade organizada e regida por uma Constituição Federal estabelece um sistema de soluções pacíficas das controvérsias , avocando o poder/dever da prestação jurisdicional através da garantia do direito fundamental de acesso à justiça e do devido processo legal . Para assegurar este direito é imprescindível a construção de um sistema jurídico capaz de solucionar de forma célere e qualificada todas as lides que lhe são submetidas, sob pena de causar frustração, ceticismo e revolta nos jurisdicionados, além de atravancar o desenvolvimento do país e abrir espaço para atuação paralela, de forma arbitrária e violenta. É imperiosa a necessidade de se alcançar uma prestação jurisdicional eficiente e efetiva, para o que deve se entender a perspectiva do jurisdicionado, identificando seus objetivos e encontrando a resposta adequada ao “fim” que o direito visa alcançar.

O Estado Social e o Acesso à Justiça
A atuação do Estado Social de Direito tem como ponto de partida a Constituição Federal, e os direitos e garantias nela assegurados, sobretudo aqueles eleitos como direitos fundamentais. A efetividade dos direitos fundamentais deve ser medida pela força normativa, pela aplicabilidade das normas garantidoras dentro de cada país, pela legitimidade dos órgãos e institutos que exigem seu cumprimento e pelos remédios jurídicos instituídos como instrumentos de efetivação destas normas.

Dentre os direitos fundamentais a serem efetivados no Brasil está o acesso à justiça pautado por uma visão de igualdade, como o direito a ter a prestação jurisdicional do Estado para a solução dos conflitos de interesses. É o que prevê a Constituição Federal Brasileira em seu art. 5º XXXV - “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O direito fundamental de inafastabilidade do controle jurisdicional, em tese, possui eficácia imediata, direta e ilimitada e é o direito dos particulares em face do Estado/legislador, através da proibição de criar lei que vede o acesso ao Judiciário, quer através da declaração de inconstitucionalidade de leis impeditivas, quer através da garantia da efetiva apreciação do conflito pelo Poder Judiciário.

O Acesso à Justiça como direito fundamental, interpretado sistematicamente com as demais garantias constitucionais , é muito mais do que a inafastabilidade, por lei, do controle jurisdicional. O sistema de acesso à justiça abrange também a via de acesso do cidadão ao Estado de Direito na busca de solução para seus conflitos de interesses, positivados em forma de lide. Este direito implica na edificação de um sistema completo de acesso efetivo como direito fundamental que deve abranger desde a informação sobre direitos e garantias até a entrega da prestação jurisdicional em sua plenitude, ou seja, a entrega do bem da vida .

O “fim” do Estado Social que avoca o poder/dever da jurisdição e a garante constitucionalmente como direito fundamental é assegurar ao cidadão em conflito de interesses a informação inteligível e realista de seus direitos, a oportunidade de conduzi-los à solução por meio acessível, célere e seguro através da participação ativa direta e indireta e do recebimento de um provimento jurisdicional e, se for o caso, do bem da vida através da prestação jurisdicional em sua integralidade.

Na mira de tornar o direito fundamental de acesso à justiça cada vez mais efetivo e abrangente, o sistema jurídico brasileiro contou com várias alterações, permitindo que um maior número de jurisdicionados possa levar seus conflitos ao juiz. A democratização do acesso ao judiciário significou um grande avanço, contudo, o excesso de demanda acentuou os problemas de estrutura, qualidade, celeridade e efetividade do processo, cuja conseqüência pode ser a negativa do próprio acesso à justiça que se visou assegurar.

O aumento das demandas, as alterações culturais, a complexidade das relações jurídicas e a ampliação das garantias requerem do Estado de Direito medidas de ampliação e otimização da estrutura do judiciário para que se possa atingir maior resultado com o menor dispêndio de recursos e energia possível . Tendo em vista esta realidade, o sistema jurídico brasileiro vem se modificando através da adoção de várias medidas direcionadas a remover obstáculos para ampliar o acesso à justiça, em sua mais completa concepção, a todas as camadas da população, bem como para oferecer uma prestação jurisdicional razoavelmente célere e qualificada. Dentre estas medidas podemos destacar as campanhas de informação dos direitos do cidadão, ampliação dos postos de atendimento do judiciário, criação e ampliação dos juizados especiais, gratuidade do processo, acesso direto das partes, aumento do número de juízes, ampliação das funções do Ministério Público, simplificação dos atos e procedimentos, informatização, coletivização das ações, criação de instrumentos eficazes à execução, descentralização dos atos judiciais, reconhecimento de formas extrajudiciais de solução de conflitos e a valorização e promoção da conciliação judicial.

 A Conciliação Judicial Qualificada
A cultura das formas de resolução de conflitos se manifesta na relação familiar, na escola, no trabalho, no bairro, na igreja ou em qualquer grupo ou relação social. As partes em conflito, quando incapazes de encontrar uma solução pacífica, e, conscientes da proibição de utilizarem um meio direto, imperativo e/ou violento, para resolvê-lo, submetem, por vontade própria ou avocação, seus conflitos a terceiros investidos, ou não, deste poder.

A cultura brasileira, como várias outras, foi edificada sob a influência do imperialismo, das ordens, da pena, do paternalismo e do pecado. A criança diante do conflito tem a reação natural de defender seus interesses através da força até que um adulto a impeça e chame para si a responsabilidade de sufocar o conflito e/ou ditar uma “solução”, aplicando muitas vezes a pena imediata ou o castigo. O adulto/julgador se vale de seus valores de certo e errado, justo e injusto, permitido ou proibido, para julgar conflitos e pessoas e impor penas por meio da autoridade instituída ou da força. Na escola a situação se repete e os conflitos que emergem sem a solução direta das partes, são levados a terceiros, considerados superiores, que dentro de um sistema informal abafam ou julgam e aplicam penas, com o objetivo de reprimir o comportamento inadequado, geralmente, através do medo. O mesmo ocorre no ambiente de trabalho onde a autoridade hierarquicamente superior, julga e toma decisões diante dos conflitos emergentes com base em suas informações, experiências e valores. Dentro desta cultura, não é de se surpreender que os cidadãos civilizados tenham dificuldades para solucionar pacificamente seus conflitos por eles próprios e procurem um terceiro para fazê-lo, no caso, o judiciário, se for o único meio não violento de defender seus interesses.

Apesar da cultura do julgamento e solução por terceiros, são várias as situações na vida em que as partes em conflito naturalmente se conciliam e por elas próprias encontram uma solução para o impasse, ou simplesmente cedem em seus interesses diante da fragilidade, autoridade ou da conveniência da preservação da relação. Dentro da rotina da vida, a conciliação é praticada informalmente diante das divergências familiares, profissionais, políticas e sociais, onde surgem “conciliadores” naturais que auxiliam as partes conflitantes a lidarem com os conflitos em busca de uma solução. Contudo, quando a conciliação informal não é possível, a opção mais comum na cultura brasileira é levar à Justiça, ainda que em alguns casos o caminho escolhido possa ser a arbitragem, mediação extrajudicial ou as comissões de conciliação prévia.

O Estado/Jurisdição, com seu poder/dever da prestação jurisdicional garantida constitucionalmente como um direito fundamental do cidadão, ao avocar os conflitos para uma solução pacífica, pode e deve, se utilizar de várias formas de resolução, tanto dentro do processo judicial, como fora deste. Dentro da construção de um sistema legal de solução de conflitos é perfeitamente possível acomodar a conciliação judicial e o julgamento, o processo judicial com a mediação obrigatória ou opcional, a mediação extrajudicial, a arbitragem e as comissões de conciliação prévia, desde que sob a vigilância e controle do Poder Judiciário . Assim como os acordos judiciais, os contratos, os acordos extrajudiciais e os laudos arbitrais, devem se submeter ao controle da legalidade exercido pelo judiciário que também terá a competência para a execução em caso de descumprimento.

A noção de justiça consensual pode coexistir com o modelo de processo de litigação julgado pelo juiz, bem como com a arbitragem precedida por mediação e ainda com a mediação extrajudicial, de tal modo que todos estes meios de resolução de conflitos possam ser adotados e assegurados pelo Estado/jurisdição de forma complementar. Contudo, para a construção de um sistema de solução de conflitos plural, integrado e harmônico, não basta a previsão da legislação, é necessário o investimento do Estado/jurisdição para que cada forma de solução de conflitos seja adequada ao tipo de conflito, e seja exercida com eficiência e qualidade, sob pena do mau uso, negar a seriedade e a eficiência dos institutos. A conciliação judicial, também deve ser praticada com credibilidade, seriedade e empenho e para isto deve ser aprimorada.

Não obstante a antiguidade da conciliação, sua previsão no Código de Processo Civil e na Consolidação das Leis do Trabalho, traço marcante nas antigas Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho, o instituto ganha nova força na medida em que vem sendo cada vez mais reconhecido e valorizado pelos Poderes Estatais. No dia 23/08/2006 o Conselho Nacional de Justiça lançou o Movimento Nacional pela Conciliação, convocando todo o Poder Judiciário a um esforço concentrado para a promoção da Conciliação em Juízo. Este movimento vem tomando corpo a cada ano e atraindo cada vez mais adeptos por seus próprios resultados . Além de estar provocando considerável alteração nos valores atinentes ao papel do poder judiciário na sociedade, o Movimento Nacional pela Conciliação provoca e incentiva a releitura e o estudo da conciliação, gerando uma revisão nos conceitos, técnicas, práticas e objetivos, a fim de que se construa uma teoria diferente da que suporta a “transação” prevista desde outrora pelo Código Civil Brasileiro. A evolução deste movimento resultou na edição e publicação da Resolução nº. 125 de 29/11/2010 que “Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no Âmbito do Poder Judiciário.


A conciliação pode ser vista com mais ou menos vantagens ou desvantagens dependendo da forma pela qual é promovida e/ou praticada. Existem alguns preconceitos sobre a conciliação segundo os quais; esta significa renúncia parcial de direitos, quando resulta em acordos prejudiciais fundamentados na lentidão do processo e da Justiça, casos em que a “pressão” pelo acordo a qualquer preço significa a própria negativa da prestação jurisdicional. Estes preconceitos, ou até conceitos, tem razões históricas e práticas e podem ser reafirmados a cada dia se a conciliação for vista e tratada como um caminho desqualificado ao acordo para resolver o problema de excesso de demanda do judiciário. O modelo de conciliação meramente formal e desqualificado, sob pressão, com renúncia a direitos e sem conteúdo razoável, para não entrar no mérito ou por receio de prejulgamento, deve dar lugar à conciliação como um instituto eficaz e pacificador que não pode, e não deve ser vulgarizado ou banalizado pelo despreparo dos que a manejam.
Não obstante a primeira idéia sobre conciliação judicial seja sua vinculação aos acordos para desafogar o Poder Judiciário e promover a celeridade, a conciliação qualificada difere do acordo processual, já que este pode ser o resultado formal daquela. Tanto pode existir conciliação sem acordo, quando as partes a praticam, mas optam por deixar a lide para ser julgada por um juiz, como acordo sem conciliação, quando as partes resolvem por “fim” ao litígio sem adentrar ao conflito. O objetivo da conciliação não deve ser o acordo, este, na verdade deve ser a consequência natural da conciliação. Daí a necessidade de uma releitura da conciliação anteriormente vista sob o ditado, "mais vale um mau acordo do que uma boa demanda", para que se possa dizer que “mais vale uma conciliação, ainda que não resulte imediatamente em acordo, do que uma demanda que alcança a sentença sem tratar o conflito”.
A conciliação judicial qualificada é mais do que uma forma rápida e eficaz de solução de litígios em alternativa à sentença, ela é um tipo de prestação jurisdicional adequada a alguns tipos de conflitos que pressupõe a atuação do conciliador de forma transparente e com mais empenho para que as partes tenham a oportunidade de refletir e dialogar sobre suas lides e conflitos construindo, por elas mesmas, a solução mais adequada, para deixar ao Juiz o julgamento das lides não passíveis de solução pelas próprias partes, o controle da legalidade e a execução das decisões e acordos não cumpridos.
A conciliação judicial qualificada pode ser um grande instrumento adotado pela jurisdição para atingir seus escopos: jurídico, político, social e educacional . A conciliação como ato processual pode ser um meio eficaz para se atingir o escopo jurídico na medida em que pode contar com a participação das partes e advogados não apenas por meio do pedido/defesa, mas como sujeitos capazes de contribuir com a solução dos conflitos de forma construtiva e compromissada com predisposição natural ao cumprimento dos acordos firmados, colocando fim ao processo. Quanto aos escopos político e social, a conciliação requer a participação intensa do cidadão no destino de sua própria vida e da comunidade envolvida, buscando solucionar não somente a lide positivada, mas o conflito principal e os conflitos acessórios nela imersos, comprometendo-se com os resultados internos e externos e com a transformação social. No tocante ao aspecto educacional, não obstante as partes procurem a justiça em razão da incapacidade preliminar de solucionar seus próprios conflitos, a jurisdição pode ser um instrumento de auxílio e promoção ao desenvolvimento das habilidades destas para que encontrem o melhor caminho para seus interesses e divergências, tanto no litígio em questão como em outros futuros que possam surgir, além de permitir maior conhecimento dos direitos e obrigações e das suas perspectivas dentro do sistema jurídico.

A conciliação requer um ambiente conciliatório e conciliadores devidamente preparados para manejar positivamente não apenas as lides, mas também os conflitos. A condução apropriada da conciliação com a utilização dos princípios e técnicas da mediação pode propiciar resultados construtivos e transformadores no comportamento dos participantes de tal forma que o acordo venha ser uma medida de equilíbrio entre a demanda e a efetiva resposta que se espera do Judiciário. O efeito da transformação vislumbra a participação das partes e advogados envolvidos como sujeitos voltados, não somente à litigação, mas à construção de um caminho justo e viável, em que, consideradas as circunstâncias e a realidade, todos possam ganhar, ou pelo menos perder menos.

A função transformadora da conciliação qualificada pode cooperar com a mudança de atitudes e fazer emergir valores latentes entre partes e advogados, até então submersos no espírito da litigação, transformando as posturas do “ganhar ou perder” em atitudes de ganhar e ganhar sem que nenhuma parte tenha que abrir mão de seus interesses, mas que ambas criem melhores alternativas para satisfazê-los. Nestes moldes a conciliação qualificada pode ser vista como um fato, um ato, um meio, uma meta, um ajuste, uma composição e até uma ciência. No entanto, a integração interdisciplinar, as técnicas, a intuição, a inspiração, a criatividade, as idéias e habilidades necessárias à sua composição a torna equiparável ás artes.

O Conciliador
Como já tratamos anteriormente, a ausência da prática articulada da conciliação é traço cultural característico desde a formação familiar, parece incomum um pai de família diante do conflito entre dois irmãos, escutar as razões de cada um e auxiliá-los a encontrar a melhor solução para o problema, o mais comum é o pai reprimir o conflito ou ditar a sentença e a pena. Logo, existe uma tendência cultural das partes de delegar a responsabilidade de solucionar seus conflitos a terceiros, no caso, o Juiz. Por outro lado, o sistema judicial brasileiro, dentre muitos outros, em princípio, não foi concebido para a conciliação. Em regra, as partes levam o conflito a juízo porque não são capazes de resolver por elas mesmas, dentro dos moldes que a legislação permite.


O Juiz, como o próprio nome enuncia, é formado para julgar e tanto a expectativa das partes como o papel convencional do juiz é decidir, respeitando o devido processo legal. Dentro desta realidade a conciliação judicial já começa como uma aparente contracultura dentro do sistema judicial, onde as partes, em princípio, não estão predispostas a encontrar a solução para o problema, já que optaram por entregá-lo aos advogados e estes ao Juiz que por sua vez está investido de sua missão originária de decidir e julgar.

Para que os integrantes do judiciário possam ser conciliadores devem receber uma formação diferenciada, no sentido de ampliar suas atividades para abranger também a capacidade de auxiliar as partes na busca de solução para seus conflitos. No tocante ao juiz conciliador, questiona-se a compatibilidade entre o papel e a postura do juiz como diretor do processo, colhedor de provas e autoridade julgadora e o papel do conciliador. Não obstante o papel originário do Juiz seja o de julgador e não o de conciliador, cabendo exceção aos juízes do trabalho, que atuam nas Varas sucessoras das antigas Juntas de Conciliação e Julgamento criadas com a competência de “conciliar e julgar”, o papel de conciliador lhe foi atribuído formalmente pela legislação vigente, contudo, temos que admitir que, em regra, os juízes ainda não são selecionados sob critérios voltados à conciliação e apenas ultimamente estes vêm recebendo formação complementar para esta função.

Contudo, a inclusão de conteúdo interdisciplinar na formação dos juízes com o auxílio da psicologia, psicanálise, filosofia, sociologia e da ciência da mediação, acrescida de uma visão equilibrada, lúcida e ponderada do conflito permite a conciliação judicial à sombra da lei, orquestrada pelos Juizes, servidores do Judiciário e Membros do Ministério Público. Estes, utilizando positivamente o conhecimento jurídico e processual podem exercer o papel de educador, informando as partes, com transparência, os estágios do processo judicial e permitindo aos advogados as ponderações de possíveis resultados, sem afrontar a imparcialidade e nem o julgamento, se for o caso.

A formação de integrantes do judiciário voltada também à conciliação requer uma releitura da lide e do conflito a ela submerso, uma reformulação no estilo da comunicação e no conceito de autoridade e poder, exige a oitiva das pessoas intituladas como partes e uma habilidade diferenciada para engajar os advogados no ambiente conciliatório. Requer, ainda, um exercício mental para “reprogramar” o cérebro para não procurar provas durante a conciliação e não julgar, ainda que mentalmente, antes de dar a oportunidade para que as partes explorem várias possibilidades de solução para o litígio. O juiz pode ainda contar com auxiliares e co-conciliadores capacitados para a função ou de áreas específicas sobre as quais verse o conflito, ou ainda com psicólogos e assistentes sociais diante da necessária atuação interdisciplinar da conciliação qualificada.

A conciliação é uma fase processual que requer a aproximação das partes e seus respectivos advogados, oferecendo-se a estes a oportunidade de obterem maior conhecimento e conscientização do litígio e da visão de cada um sob várias perspectivas, bem como a possibilidade de transformação de suas posturas, tanto no tocante à lide em si, como em relação ao conflito nela submerso. Partindo do espírito conciliatório o Conciliador deve criar um ambiente propício à conciliação, permitir que as partes expressem seus pensamentos e emoções zelando para que prevaleça o respeito entre todos os participantes, ouvir as razões de cada um com atenção e criar oportunidades para que as partes e advogados se escutem através de uma comunicação orientada e eficiente, incentivando uma parte a se colocar no lugar da outra e estimulando a busca de interesses comuns e alternativas viáveis, ainda que não faça parte do pedido constante na lide.

A conciliação requer múltiplas inteligências e habilidades, além da capacidade jurídica e da visão multilateral dos fatos, o conciliador deve desenvolver a inteligência emocional, como habilidade para lidar com as emoções, deve ainda, aprimorar a inteligência espiritual, no sentido de considerar a alma e a intuição além da razão e da lógica.
Não obstante a vocação natural, a credibilidade e identificação com os princípios que regem a conciliação sejam fatores importantes ao conciliador este deve possuir formação teórica e prática para este fim. O manejo qualificado do instituto depende da visão que o conciliador desenvolve sobre o conflito, do aprimoramento da comunicação, não apenas verbal, mas corporal, da compreensão do papel e da missão do conciliador, da utilização das técnicas adequadas e do estudo sobre os direitos passíveis ou não de conciliação dentro do chamado bom senso fundamental a todo Conciliador.

O papel do conciliador deve ser, inicialmente, o de criar uma atmosfera de diálogo, onde as partes se sintam em equilíbrio e livres para discutir o conflito a ponto de analisá-lo reciprocamente sob a perspectiva do outro e criarem as possíveis soluções, ainda que sob a expectativa de um julgamento futuro pelo judiciário. As partes devem obter as informações necessárias sobre a duração do rito processual e seus recursos, contudo, a demora processual não deve ser um meio de pressão para se obter o acordo. A informação permite um exercício de opções e caminhos que dispõem diante da lide, para que assim possam tomar as próprias decisões. O Conciliador deve abster-se o máximo possível de expressar seus valores e convicções para ouvir e adentrar ao universo das partes, auxiliando-as na percepção do que elas entendem como melhor para elas e na busca do caminho para alcançar.

A posição do conciliador deve ser a de permitir primeiramente que as partes explorem as possíveis soluções, podendo até formular propostas, mas no momento certo, ou seja, após amplo debate entre estas. O Conciliador não deve convencer as partes sobre as vantagens ou desvantagem da proposta ou do acordo deve apenas auxiliá-las para que estas encontrem argumentos segundo os quais elas próprias se convençam da oportunidade e dos pontos positivos de resolverem a pendência desta ou daquela forma.

Diante desta necessidade de capacitação de conciliadores, o Estado, por intermédio de seus órgãos institucionais deve promover a formação de profissionais que atuando dentro de condições adequadas, se dediquem ao trabalho de auxiliar e ensinar os cidadãos na busca soluções pacíficas para seus conflitos. A mediação, desenvolvida internacionalmente como forma alternativa de solução de conflitos, conta com vasta doutrina e instrumentos práticos, eficazes e compatíveis com a prática da conciliação judicial que podem e devem ser utilizados no aprimoramento desta.

O treinamento aliado à prática mostrará ao conciliador a amplitude de um mundo inexplorado dentro deste universo e a importância de seu poder que pode ser dirigido a desenvolver o poder das partes de solucionar seus próprios conflitos de forma eficaz com o auxílio e orientação do Estado conciliador. A forma de lidar com o conflito, que pode ser chamada de gerenciamento, e os métodos deste gerenciamento em equilíbrio podem levar a resultados surpreendentes como, por exemplo, a desistência da ação, a alteração do pedido, a formulação de caminhos gradativos para a solução, o entabulamento de acordo, etc.…, fazendo emergir o verdadeiro conflito e a melhor solução.

A mediação conciliatória permite em vários casos, que as partes encontrem a prestação jurisdicional através da construção da resposta ao conflito, sem abrir mão de suas pretensões, inicialmente opostas, mas construindo um caminho até mais satisfatório do que suas pretensões iniciais, o que, conseqüentemente, as levará ao acordo, o qual tem grande potencial de ser cumprido por contar com a participação dos que irão cumpri-lo em sua elaboração.

Podemos concluir que através de um sistema harmônico e integrado de solução de conflitos e a participação de conciliadores e mediadores capacitados como propugna a Resolução 125 do CNJ, o Estado Social de Direito chega mais perto de cumprir o direito fundamental de acesso à Justiça.

*Regina Maria Vasconcelos Dubugras é desembargadora do Tribunal Regional do Trablaho da 2ª Região (SP)